04 maio 2009

Fim do Fator Previdenciário, uma questão de justiça


Jô Moraes*

É bom lembrar a circunstância histórica em que surge o Fator Previdenciário marcada pelo apogeu da lógica neoliberal de desregulamentação geral e de corte nos direitos sociais. Esse instrumento de confisco da poupança acumulada pelos trabalhadores em toda a sua vida foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, pela Lei 9.876, de 1999. A fórmula perversa foi a resposta do governo de então a sua derrota em relação à exigência de idade mínima para aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social, tanto no Congresso como no Supremo Tribunal Federal.
A lei que instituiu o Fator Previdenciário, além de afetar as aposentadorias por tempo de contribuição, fez profundas alterações no método de cálculo do conjunto de benefícios. Os grandes perdedores com o fator foram justamente aqueles trabalhadores que possuem direito a aposentadoria em condições especiais. São mulheres, professores do ensino fundamental e quem trabalhou em condições adversas (penosidade, insalubridade ou periculosidade) mas trocou de atividade antes da aposentadoria. Esses trabalhadores são exatamente aqueles que sofrem maior desgaste em relação às condições em que realizam sua função. Todos têm direito constitucional de se aposentar com redução de tempo de contribuição (e consequentemente menor idade), mas perderão parcela considerável do valor de seus benefícios se exercerem seu direito.
Alguns exemplos calculados com base na tabela atual demonstram a perversidade de sua aplicação. Um trabalhador com 60 anos de idade e 35 de contribuição perde 12,1%. Um problema adicional do fator é a sua instabilidade. A cada ano ele traz mais prejuízo aos segurados do INSS. Em 1999, por exemplo, um trabalhador com 57 anos de idade e 35 anos de contribuição não perdia ao se aposentar. Em fevereiro de 2006, o Conselho Nacional de Previdência Social solicitou um estudo ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre os efeitos do fator. O estudo demonstra que desde sua aplicação aumentou a idade média de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. Ainda assim, na média de 2004, o fator levou os segurados a profundas perdas: as aposentadorias concedidas para os homens perderam 20% de seu valor e para as mulheres mais de 31%.
É preciso que as adequações na legislação previdenciária, em relação às alterações do perfil etário de nossa população, não sejam feitas com prejuizo daqueles que realizaram sua atividade produtiva em período anterior.No esforço por avançar na luta pela extinção do Fator Previdenciário, alguns aspectos podem ser antecipados para minimizar sua perversidade: após o segurado ter alcançado o direito à aposentadoria, não pode ter sua tabela alterada para prejudicar o direito adquirido; se já cumpriu a exigência de tempo de contribuição, o fator somente pode produzir efeito de aumentar o valor da aposentadoria. Por todas essas razões, as entidades dos trabalhadores exigem a extinção do fator, mas não podem aceitar que o fim desse confisco seja acompanhado pela introdução de uma exigência de idade mínima, como defendem muitos.
* Jô Moraes é deputada federal pelo PCdoB de Minas Gerais. Contato: dep.jomoraes@camara.gov.br

Uma alternativa ao Fator Previdenciário

Pepe Vargas** A Reforma da Previdência de 1998, encaminhada pela Emenda Constitucional 20, tentou estabelecer como requisitos da aposentadoria a combinação entre tempo de contribuição (35 anos se homem e 30 se mulher) e idade mínima (65 anos se homem e 60 se mulher). A Câmara dos Deputados, no entanto, rejeitou a adoção da exigência de idade mínima. Para compensar esta derrota, o governo de então conseguiu aprovar, em 1999, a Lei 9.876, que criou o Fator Previdenciário.
O Fator Previdenciário leva em consideração, no momento da aposentadoria, a idade do requerente, seu respectivo tempo de contribuição, a alíquota de contribuição e a expectativa de sobrevida deste segurado, sendo esta uma média nacional única para ambos os sexos, atualizada anualmente pelo IBGE. O fator é aplicado obrigatoriamente nas aposentadorias por tempo de contribuição e, se mais benéfico, nas por idade. Ele não se aplica aos demais benefícios previdenciários. Na prática, leva a uma redução no valor do benefício das aposentadorias por tempo de contribuição, tanto maior quanto mais precoce a aposentadoria.
O objetivo anunciado do Fator Previdenciário era desestimular aposentadorias precoces. Neste sentido foi um fracasso. Decorridos dez anos da sua criação a idade média das aposentadorias por tempo de contribuição aumentou de 51,8 anos em 1999 para 53,2 em 2008, pífios 1,4 anos a mais, havendo outros fatores que contribuíram para tanto. Anuncia-se que ele gerou uma economia que atinge a cifra de R$ 10 bilhões, não por postergar aposentadorias, mas por reduzir seus valores.
As Centrais Sindicais e entidades dos aposentados querem o fim do Fator Previdenciário. O Ministério da Previdência, por sua vez, alerta que haverá maior necessidade de financiamento do Regime Geral da Previdência Social, em função do acelerado envelhecimento da população, o que trará maior ônus para gerações futuras, caso se mantenham aposentadorias em idade precoce, em função do sistema se assentar na solidariedade entre as gerações. Por outro lado, há um consenso sobre o equívoco do Senado ter mudado a regra de cálculo do benefício, trocando a média das 80% maiores contribuições pela média das últimas 36, o que prejudicará os trabalhadores de menor renda e permitirá a empresários e profissionais liberais contribuírem sobre o piso durante 32 ou 27 anos, se homem ou mulher, e sobre o teto nos últimos 36 meses, obtendo assim uma aposentadoria com o valor do teto.
Meu trabalho como relator desta importante matéria está concentrado em produzir uma regra que facilite a obtenção do valor integral da aposentadoria, preservando o equilíbrio das contas da Previdência no curto e longo prazo. Vamos corrigir o equívoco do Senado rejeitando sua proposta de cálculo do benefício pela média curta das últimas 36 contribuições. Estabeleceremos em lei regras que darão maior transparência nas demonstrações contábeis do RGPS. Não será exigida idade mínima para o direito à aposentadoria. Nosso objetivo é produzir um substitutivo negociado entre o governo e o Congresso, para evitar o poderoso instrumento de veto do Poder Executivo. Dessa forma conseguiremos melhorar a aposentadoria das pessoas, sem gerar expectativas que poderão se frustrar logo a seguir. Calibrar bem esta proposta é nosso desafio.

** Pepe Vargas é deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul e relator do Projeto de Lei 3299/08, que extingue o fator previdenciário e está sob a análise da Câmara dos Deputados. Contato: dep.pepevargas@camara.gov.br
Fonte: camara.gov.br